Atletas reais

Por Fernanda Franco e Mario Mele

Antonio Manssur Filho

Juiz de Direito, 38 anos


(Fotos: Cadu Maya)

“O SEGREDO ESTÁ NO ESQUEMA”, sentencia Antonio Manssur Filho, triatleta há 20 anos, sobre como consegue conciliar esposa, filhos, trabalho e uma rotina forte de treinamento em São Paulo. Ele foi duas vezes vice-campeão mundial de aquathlon, modalidade que intercala 1.000 metros de natação com 2,5 quilômetros de corrida, no começo e no final da prova. Em abril deste ano, Manssur, como é conhecido, se classificou novamente para o mundial de aquathlon, a ser realizado nos Estados Unidos, e também para o mundial de triathlon olímpico na Austrália – ambos acontecem em setembro, com um intervalo de duas semanas entre cada um.

Pai de dois meninos – Tot, 10, que já segue os caminhos dele no esporte, e Gabriel, 8 –, Manssur começou no triathlon aos 18 anos, depois de participar de competições de atletismo pelo exército. Desde então não parou mais. O mais impressionante é ele nunca ter “tirado o pé” dos treinos ou perdido o foco, como acontece com muita gente que começa a competir intensamente desde cedo. “É minha identidade, minha vida. Preciso estar lá”, justifica-se.

Mesmo tendo dois IronMan com tempos impressionantes (9h26m, em 2002, e 9h18m, em 2006), ele prefere as provas mais rápidas, como o short triathlon (750 metros natação, 20 quilômetros de ciclismo e 5 quilômetros de corrida) ou o triathlon olímpico, com o dobro da distância em cada uma das modalidades. “Não tenho tempo para treinar o necessário para o ciclismo do IronMan, e meus tempos nele não são tão bons quanto nas provas mais rápidas”, confessa o paulistano.

(Fotos: Cadu Maya)

Juiz da 2a vara cível do Tatuapé, bairro da zona leste paulistana, o dia de Manssur no trabalho começa por volta do meio dia. A essa hora ele já completou sua meta diária e treinou forte pelo menos duas modalidades. Duas vezes por semana, o magistrado acorda perto das cinco da manhã, sai de casa pedalando e faz os tiros na “bolinha” da USP – rotatória ao lado do Cepeusp, que ele apelidou de “velódromo Antonio Manssur Filho” – sempre em alta intensidade. “Saio com vontade de vomitar”, confessa, depois de uma sessão onde bateu os 51 quilômetros por hora. De volta para casa, Manssur acompanha o café da manhã dos filhos antes de levá-los a pé para a escola na companhia do filhote de golden retriever Rocky. “Não abro mão desse convívio diário. Dou importância a um momento simples da vida deles e assim passo parte dos meus valores para os meninos”, conta. Depois, ele vai para o treino de musculação e natação no Esporte Clube Pinheiros.

Para não perder tempo no trânsito, ele comprou uma scooter que é parte fundamental do esquema. No tempo planejado Manssur chega à sala de musculação para 40 minutos de treino – exatamente o tempo que a reportagem da Go Outside perdeu no trânsito durante o deslocamento de carro da casa dele até o clube. “Cada segundo perdido vale ouro. Tenho pouco tempo para treinar e, então, treino mais intensidade do que volume. É sempre porrada”, diz ele, antes de pular na piscina exatamente às 9h30. Sem nunca faltar aos treinos, a disciplina é outro fator que também faz a diferença na vida do atleta. “Ele está sempre disposto e só deixa de treinar quando está doente, e fica bravo por isso”, conta a esposa Cláudia.

A dedicação extrapola os limites das pistas e piscinas. De dezembro a junho, ele regularizou os 200 processos atrasados da sua vara. “Também sou um competidor no trabalho”, explica o juiz, que dá entre 100 e 120 sentenças por mês. Por conta da profissão, Manssur morou em quatro cidades diferentes no período de dois anos, mas nem assim deixou de treinar forte. “Eu limpava a única piscina de Itaporanga [interior de São Paulo] para poder treinar. Armava competição para a molecada…”, relembra.

Como corre provas que duram muitas vezes apenas 15 minutos, não há tempo para erros. Exímio corredor, com o incrível tempo de 30min58s para provas de 10 km, Manssur reconhece que a natação é seu fraco e, por isso, vem fazendo um treinamento específico de força nos treinos do esporte. Ele nada com um calção largo, para sofrer mais arrasto, e está fazendo exercícios com um snorkel semitampado para exercitar os músculos do pulmão e superar a fobia que tem do tumulto sobre e sob a água na largada.

Mesmo com esse ritmo, Mansur nunca teve lesões sérias por excesso de treinamento. “Acho que tenho uma genética boa, pois só tive algumas tendinites”, explica. Mas ele se cuida: as sessões de recuperação muscular envolvem até imersão numa banheira cheia de gelo.

Para ganhar agilidade nas transições e manter o ritmo de prova, ele chega a participar de competições em fins de semanas seguidos. No penúltimo final de semana de maio, participou de um biathlon com 500 metros de natação e três quilômetros de corrida no sábado, e fez o tempo de 15m42seg. No domingo correu um short triahlon, com o tempo de 39m3seg. Ganhou as duas provas e na segunda-feira seguinte deu folga ao corpo – afinal, nem ele é de aço.

(Fotos: Cadu Maya)

Treinadores:

André Luis Simões Ferreira (Amendoim), natação

“O Manssur tem uma disposição incrível e treina sempre muito forte. Sua recuperação é rápida: depois de fazer uma sessão de tiros em que sua frequência cardíaca atingiu 150 batimentos por minuto (bpm), em um minuto ela já estava de volta a 72 bpm. Temos um total de 22 semanas até o mundial de triathlon olímpico, e 24 semanas até o mundial de aquathlon. Como o calendário tem provas quase todos os fins de semana, faço um trabalho visando melhorar os sistemas de energia (aeróbico e anaeróbico) sem sobrecarregar muito para não deixar o corpo dele debilitado. Tento melhorar a performance (força e técnica), mas mantendo-o apto para as provas que acontecem na trajetória desse trabalho. A metodologia é trabalhar alternadamente força e velocidade com trabalhos aeróbicos e de técnica. O volume de treinamento varia de 15 a 18 mil metros semanais. Mesmo viajando para o interior, ele caiu na represa e cumpriu o programado. Os microciclos foram divididos em ordinários, choque, regenerativo, pré-competitivos e competitivos, e os mesociclos em inicial, desenvolvimento e pré-competitivo. As etapas são as seguintes:

– Período de base: 10 semanas (com 1 semana regenerativa a cada 4 semanas de trabalho)

– Período específico: 8 semanas (com 1 semana regenerativa a cada 3 semanas de trabalho)

– Período pré-competitivo: 3 semanas

– Período competitivo: 1 semana

– Manutenção: 2 semanas.”


Rodrigo Taddei, Corrida e ciclismo

“Como o Manssur corre provas de distância curtas, a intensidade é sempre alta. Trabalhamos com o objetivo de melhorar sua capacidade aeróbica e aperfeiçoar sua capacidade anaeróbica (tolerância ao lactato). Entre os cinco treinos da semana, um é intervalado e os outros são de rodagem normal. Eles nunca duram mais de uma hora. Os treinos de ciclismo acontecem quatro vezes por semana e aqui o desafio é motivá-lo, por causa da dificuldade de treinar em São Paulo e de encontrar tempo. Além do treino de rodagem, ele faz as séries de tiros entre 1.000 e 2.000 metros sempre com a frequência cardíaca alta, e velocidade acima de 40 quilômetros por hora. Juntando com o aquecimento, esses treinos costumam ter por volta de 45 quilômetros. O primeiro ciclo foi para as provas seletivas; agora que ele está classificado, vem o próximo ciclo, para o mundial de duathlon e de triatlhon olímpico.”

Miguel Mitne

Biólogo, 27 anos


(Foto: Marcio Bruno)

Treinos perto do trabalho, companhia dos amigos (e da namorada!) para os treinos de força e criatividade na hora de compensar os treinos perdidos

Entre treino e trabalho, a pauleira diária do biólogo Miguel Mitne dura 14 horas. “Saio do laboratório umas 20h e quando chego em casa, janto e já vou direto estudar os livros da minha tese de doutorado”, explica. Formado em biologia em 2005 pela Universidade de São Paulo (USP), Miguel foi incentivado por sua orientadora a dar continuidade aos estudos na área de ciências médicas e moleculares. Somando os tempos de graduação (concluída) com o doutorado (em andamento), já faz quase uma década que sua vida está diretamente ligada ao Centro de Estudos do Genoma Humano (CEGH), baseado na USP.

O apetite pelo esporte é ainda mais antigo. Miguel começou a pedalar e a correr pra valer quando tinha apenas 15 anos. “Fiz duas provas de triathlon, mas depois passei a focar somente as corridas de rua”, lembra. Em 2002, já cursando o segundo ano da faculdade, experimentou a corrida de aventura para nunca mais largar. “Descobri esse esporte por meio do José Caputo, que é meu primo, e da esposa dele, a Cristina de Carvalho”, diz. Até hoje, Miguel é treinado por Cris, que é referência tanto como atleta quanto como preparadora de corredores de aventura.

Em sete anos de modalidade, Miguel já pertenceu a várias equipes, como a Saracura. Atualmente ele integra a Canoar/Núcleo Aventura, que este ano faturou a primeira etapa do circuito Adventure Camp, em São Luís do Paraitinga, no interior paulista. No último Ecomotion Pro, que aconteceu no fim de 2008, no nordeste do Brasil, e que serviu como final para o circuito mundial de corrida de aventura daquele ano, o “biólogo aventureiro” conseguiu o 4o melhor resultado entre os quartetos brasileiros com a equipe Econsenso/Núcleo Aventura. Cinquenta e três equipes, entre as melhores do mundo, estavam inscritas naquela edição, e a Econsenso, de Miguel e Cris, foi a 21a colocada na classificação geral, depois de 520 quilômetros percorridos a pé, de bike e a remo, cruzando os estados do Ceará, Piauí e Maranhão mais de quatro dias, dormindo quase nada.

Segundo ele, é comum entre os competidores de ponta da corrida de aventura dividirem o tempo entre esporte e profissão, já que praticamente não há patrocinadores para a modalidade. Muitos desses atletas, porém, trabalham direta ou indiretamente com treinamento físico, o que facilita a tarefa de cumprir várias horas diárias de treino. Já para quem pretende atingir o grau de doutor, como Miguel, o tempo é bem mais curto. É preciso otimizar. “Acordo antes das 6h, tomo meu primeiro café da manhã e então começo meu treino, pedalando ou correndo”, conta. “Volto pra casa umas 8h, tomo meu segundo café e, quando são 9h, já estou dentro do laboratório da USP”. Ali ele permanece até 20h, quando volta para casa, janta e estuda, antes de dizer boa noite e descansar para a maratona de treinos e trabalhos do dia seguinte. É assim de segunda a sexta.

“Tem dias que é bem difícil pular da cama cedo e sair para treinar. Chego a pensar: ‘só hoje eu não vou’”, assume. “Mas acontece que, além de eu fazer o que gosto, as pessoas que treinam comigo e que estarão ali me esperando são meus parceiros da corrida de aventura, ou seja, pessoas com quem eu gosto de conviver”, explica Miguel, que namora a atleta Tessa Roorda, da equipe QuasarLontra.

Nem os finais de semana Miguel tem para só treinar, já que quase sempre “sobra” trabalho para esses dias. “É quando tenho tempo para escrever e desenvolver a parte intelectual da tese”, diz. O maior desafio, então, é organizar o dia e conseguir conciliar as atividades esportivas e profissionais. “Às vezes não almoço, e também já cansei de ficar no laboratório até tarde. Mas sei que isso acontece em qualquer trabalho. Sem contar que as células, vez ou outra, nos pregam peças e morrem, e lá se vão quatro meses de experimento”, lamenta.

“Comecei meu doutorado em 2006, é um projeto para ser desenvolvido em 4 ou 5 anos”, explica. Miguel pretende, ainda em 2009, embarcar para os Estados Unidos, onde ficará por no mínimo 6 meses. Segundo ele, a ideia é antecipar o tempo de conclusão do trabalho. Miguel estuda os genes envolvidos numa doença chamada esclerose lateral amiotrófica, que causa a degeneração do neurônio motor. Em 2004, o Brasil ganhou destaque nos noticiários depois que um desses genes foi identificado no CEGH.

Mas nada parece abalar Miguel, que por meio dos esportes aprendeu a lidar e a superar desafios. “Em 2005 participei do Ironman, e até hoje no trabalho não consigo admitir que algo seja impossível. É um paralelo: estender tanto os limites do conhecimento científico quanto do conhecimento do próprio corpo”, finaliza.

Treinadora:

Cristina de Carvalho

“Miguel é o atleta que todo treinador gostaria de ter. Isso porque, além de cumprir a planilha com dedicação e vontade de melhorar, ele tem o potencial genético necessário para ser atleta profissional. Ele faz um treino regenerativo de bike de 60 quilômetros em menos de duas horas, enquanto outros alunos levam mais tempo para cumprir essa distância no mesmo limiar de esforço. Ele também consegue ser mais rápido do que a maioria numa série de velocidade, com o mesmo intervalo de descanso para todos.

Para 2009, os objetivos dele foram correr a maratona em trilha Cruce de Los Andes e disputar os circuitos Adventure Camp e Big Biker. A estrutura básica da planilha tem três treinos de bike (um de intensidade, um regenerativo e um longo), três de corrida (um de intensidade, um intervalado e um longo) e dois de canoagem (um de intensidade e um longo) por semana. O volume e a intensidade mudam conforme a periodização.

Ele nem sempre consegue treinar 100% do planejado. No entanto, depois de vários anos treinando comigo, o Miguel consegue fazer ajustes sem prejudicar o conteúdo final. Inclusive, é essa maturidade que eu espero dos meus alunos mais antigos.Um ajuste que ele faz muito bem é fazer o treino de bike em ladeira num dia diferente do combinado, elaborando séries de acordo com a sua inspiração. Outra coisa que o Miguel adora inventar são treinos complementares de corrida. Mas o importante é que, nos treinos-chave, ele abaixa a cabeça e faz bem o que é pra ser feito. O ponto fraco do Miguelzinho é a musculação, já que não há tempo de encaixar esse treinamento em sua rotina. Mesmo assim, é um treino que para muitos alunos fariam mais falta do que realmente faz para ele. Ele gosta de fazer força e nos treinos de ladeira pedala pesado, o que é uma excelente ferramenta para fortalecer a musculatura.”

Lais Saes

Advogada, 27 anos

Acompanhamento profissional, flexibilidade na planilha e alongamento para prevenir lesões

Há três anos, quando começou a competir, a mountain biker Lais Saes não imaginava que iria se tornar uma das atletas brasileiras mais fortes de sua modalidade. “Sempre gostei de pedalar, mas nunca tinha levado as competições a sério”, admite ela, que mora e treina em Jundiaí, no interior de São Paulo.

Lais frequentava a academia esporadicamente, depois do trabalho, e pedalava somente nos fins de semana. Já nas baladas ela era bem mais assídua, sempre acompanhada pela irmã gêmea. “Mas percebi que estava cansando daquela vida e queria fazer algo mais produtivo”, recorda. Não foi fácil abrir mão da vida social agitada e direcionar todo o tempo livre do escritório aos treinamentos. No início da vida dedicada ao mountain bike, até a irmã custou a entender sua nova escolha.

Em 2007, Lais começou a competir no mountain bike na categoria sport e obteve bons resultados entre as amadoras. Estava decretado o fim da vida boêmia. Naquele ano, Lais participou de provas nacionais bem concorridas, como a Copa Endurance e o Big Biker, e terminou as etapas sempre entre as cinco primeiras. No ano seguinte, Lais subiu para a categoria elite, e passou a pedalar lado a lado com as melhores bikers do Brasil, como Roberta Stopa, Erika Gramiscelli e Manuela Vilaseca. E o mais impressionante é que as colocações melhoraram: em 2008 ela foi campeã do GP Ravelli e da Copa Endurance, e terminou o ano em primeiro lugar no ranking paulista de maratona e em quinto no ranking brasileiro. Fazendo dupla com o biker Marcelo Marchiori, ela ainda foi campeã do MTB 6 Horas e da Crocante Cup.

São resultados surpreendentes para quem se desdobra vencendo o cansaço diário e tendo que treinar pesado fora do horário comercial. Aos 27 anos, Lais é advogada, e trabalha das nove da manhã às seis da tarde em causas imobiliárias. “Às terças, quartas e quintas-feiras, acordo às 5h20 da manhã para pedalar. Se tenho alguma prova no domingo, apenas ‘solto as pernas’ no sábado, fazendo um giro leve. Caso contrário, meus treinos fortes também se estendem aos sábados e domingos. É bem corrido, mas não me vejo mais naquela vida anterior”, garante.

Lais é especialista em provas de maratona, modalidade caracterizada por circuitos mais longos, porém sem muita dificuldade técnica. “Nas provas de cross country eu não me destaco muito, já que a parte técnica é a minha grande vilã”, explica ela, que durante a semana costuma treinar com bicicleta de estrada. “Cheguei a competir em ciclismo de estrada, mas não me adaptei à competição por equipe, em fazer sempre o que o técnico mandar”, revela. “Gosto do mountain bike porque é um esporte individual em que você só depende de si mesmo”.

Essa independência às vezes colabora para aumentar a autocobrança. “Fico bem chateada quando não ando bem numa prova, mas procuro analisar e entender os motivos”. Lais sabe que todas as suas adversárias são profissionais e que, teoricamente, têm muito mais tempo para treinar e descansar. “Por isso, me sinto motivada em participar e ir bem nos campeonatos. É isso o que me deixa feliz”.

Simultaneamente ao ingresso na categoria elite, no ano passado Lais passou a ter o apoio da marca Scott, com bikes e peças de vestuário e o acompanhamento técnico do biker Odair Pereira. “Senti a necessidade de alguém para me orientar”, explica. Desde então, ela encaminha a Odair o calendário de provas de que pretende participar, e ele compõe sua série diária de treinos que, em razão dos compromissos profissionais, não pode passar de 2 horas nos dias de semana. O acompanhamento profissional ajudou a mountain biker a se livrar das câimbras que a assombravam durante as provas, a se prevenir de lesões e até a melhorar a parte nutricional.

Para seu próximo desafio, a Short Track São Silvano, marcada para o dia 26 de julho, em Morungaba (SP), Lais está focada em treinos de explosão. “A prova terá baterias eliminatórias, um tipo de competição que ainda é novidade no Brasil”, conta ela, que não pretende desmontar tão cedo do selim de sua bike para voltar à cadeira do bar.

Treinador:

Odair Pereira

“Eu teria muita dificuldade em organizar uma planilha de três meses, para a Lais ou para qualquer outro atleta. Minhas planilhas são de 3 semanas. No caso da Lais, há também um acompanhamento semanal, pois ela tem pouco tempo para treinar e pedala em condições de baixa temperatura, já que sai para treinar por volta das 5h30. Há ainda o estresse dos dias corridos e estafantes de trabalho, que são uma constante para ela. Portanto, não posso exigir da Lais o que eu exigiria de um atleta profissional, cujas únicas atividades profissionais seriam os treinamentos e as competições, e que tem tempo para repouso. Muitas vezes, a rotina não permite que ela realize um treino na intensidade que foi passada, por conta de poucas horas de sono, por exemplo. Então, sou obrigado a ser mais flexível e adaptar o treino, buscando também o equilíbrio e o bem estar da Lais.

Os treinos são montados seguindo uma ordem de adaptação, com base no início da temporada. Ela faz treinos mais longos e alguns exercícios específicos para ganhar força e eficiência na pedalada. Também recomendo treinos de flexibilidade dos membros inferiores e superiores durante toda a temporada. Na fase pré-competição, a duração do treino diminui e a intensidade aumenta, para melhorar a velocidade e a explosão.

Algumas provas no início da temporada têm como objetivo melhorar o ritmo de competição. E, a partir daí, procuro fazer um trabalho mais específico, ou seja, dentro das características da atleta e da competição que ela terá à frente.”

Gustavo Albuquerque

Empresário, 31 anos

Estabelecer objetivos arrojados, trabalhar a força mental, e ter disciplina para cuidar do corpo

O INÍCIO FOI UM TANTO TRAUMÁTICO. Morando na Alemanha em 2004 a trabalho, Gus não via mais sentido na malhação sem objetivo da academia. Então se inscreveu na maratona de Colônia, mesmo sem ter treinado para os 42 quilômetros. Ele corria entre 15 e 20 quilômetros, três vezes por semana, e achava que era suficiente. Apesar de ter feito um tempo bom para iniciantes (3h30min), suas lembranças da prova são péssimas. “Levei apenas um gel e não soube administrar o ritmo. Dava um tiro toda vez que ouvia uma batucada na calçada. Sofri muito e me machuquei tanto que parei de correr”, relembra Gus.

Já o recomeço foi parecido com o de um dos seus ídolos, o ultramaratonista norte-americano Dean Karnazes. Em 2005, ainda na Alemanha, cansado das noites de balada, Gus decidiu ver se conseguia correr até a cidade mais próxima, a 40 quilômetros de distância. Calçou o tênis e saiu correndo ainda à noite. Conseguiu. “Lembro da sensação de estar no meio da floresta e de sentir as primeiras luzes do sol batendo no meu rosto”, conta. Voltando para casa de trem, ele sabia que aquela noite havia sido decisiva. Encontrou um treinador para prepará-lo para a maratona de Berlim, que aconteceria três semanas depois. Fechou a prova com um tempo parecido ao da maratona anterior, mas deu adeus ao trauma, e voltou ao Brasil.

Em 2006, sem nunca ter subido numa bike speed, o paulista começou a treinar sério para triathlon. Ganhou experiência em provas curtas e traçou um desafio para o ano seguinte: fazer o IronMan em 10 horas. Levou meia hora a mais, depois de quebrar no quilômetro 18 da corrida, mas ficou muito feliz. “Abdiquei de muita coisa e dediquei centenas de horas de treino para essa prova. Sabia que o objetivo de tempo era arrojado, e usava isso para me motivar nos treinos. Ninguém é super-homem. Para ser bom, tem que treinar muito.”

Para Gus, a mente e as experiências vividas têm grande importância no desempenho, já que são elas que controlam a dor e inspiram as pernas. Ele recita a frase do mestre Karno que sintetiza sua filosofia: “Dor é a forma do corpo expulsar a fraqueza”. “Quanto mais você se sacrifica por algo, mais sairá perdendo se desistir. E ninguém quer ser um desistente”, diz ele. Assim, a dificuldade se transforma na maior aliada de Gus. Foi assim na Race Across America, competição de ciclismo de quase 5 mil quilômetros que ele disputou em 2008, pedalando sete dias sem parar pelos Estados Unidos, revezando com seus três parceiros de equipe. “Quando eu teria outra oportunidade de superar um sofrimento tão grande? Saí mais forte da prova”, diz.

A busca por novas experiências fez ele retornar à corrida – desta vez, fora do asfalto. Treinando em trihas, ele voltou aos seus 18 anos, quando era profissional de motocross e precisava usar o terreno como parceiro. “Desci a trilha do pico do Jaraguá correndo e incorporei o freestyle. Fazia como na moto: visualizava a melhor linha e usava os barrancos como apoio. Me apaixonei”, relembra. Uma tendinite no quadril o impediu de estrear o pé na lama do Cruce de Los Andes de 2009, ultramaratona em estágios na Patagônia argentina. Mas em maio Gus partiu para sua primeira prova longa em trilhas – a North Face Endurance Challenge, ultramaratona de 80 quilômetros no parque estadual de Bear Mountain, perto de Nova York (EUA). Na mochila de hidratação, ele levou a experiência das provas longas e das dores superadas, e a parceria de corredores brasileiros experientes em provas de longa duração. Largou conservador, manteve-se assim até mais da metade da prova, e teve gás para acelerar, desovar alguns adversários e cruzar a chegada depois de 9h48min, em 9o lugar entre os 138 homens inscritos.

Do corpo, ele cuida bem. Não come frituras, não tolera nada com queijo e procura repor ou armazenar o que será consumido nos treinos. Faz dois tipos de massagem para relaxar os músculos e endireitar o corpo que também passa um bom tempo sentado na cadeira do escritório todo dia. Gus trabalha num trade, facilitando a entrada de importadores no Brasil e auxiliando o envio de mercadorias brasileiras para o exterior. Seu mais novo cliente é ele mesmo. Está desenvolvendo alguns produtos com açaí para distribuir no Brasil, Estados Unidos e Ásia.

Sua rotina é flexível e ele encaixa os treinos conforme a agenda do dia, mas não admite fazer esporte em horário comercial. Por isso, cumpre suas duas horas diárias de treino bem cedo ou no fim da tarde.

Treinador:

Marcello Butenas

“Além de muito forte e determinado, Gus é ansioso. Aperfeiçoo seu condicionamento físico, mas meu maior esforço é trabalhar o lado psicológico para não deixá-lo passar do ponto nos treinos ou almejar objetivos acima da sua capacidade. Ao correr uma prova pela primeira vez, deve-se entender o que é para depois melhorar a performance. Eu não tinha dúvidas de que ele terminaria, mas é importante nunca perder a noção do limite e planejar a prova: ficar atendo ao ritmo, suplementação, estabilidade articular. Foi uma ótima colocação, mas ele ainda tem um longo caminho a percorrer nessa modalidade.

O Gus treina 5 vezes por semana, algumas vezes em dois períodos para alcançar um bom volume."


(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de junho de 2009)







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