Rehab na vinícola

Por Carlos Marcondes

ELES TRABALHAM CERCADOS de uma natureza exuberante. Quem já teve a oportunidade de conhecer regiões vinícolas sabe do que estou falando. Da Borgonha (França) a Mendonza, passando pelo Douro (Espanha) e Toscana (Itália) até chegar às nossas serras Gaúchas, são centenas de paisagens de tirar o fôlego. Trabalhar num lugar desses é, sem dúvida, uma profissão admirável. Agora imagine fazer tudo isso de forma natural, sem mexer com agrotóxicos e conservantes, banindo todo tipo de produtos químicos. Ter a certeza de que o líquido colocado nas garrafas é uma verdade incontestável, um retrato fiel do chamado “terroir” (terreno) que originou aquele vinho é uma dádiva.

Essa total integração com a natureza, auxiliada pela demanda mundial por produtos ecologicamente corretos, tem inspirado produtores a aderirem aos conceitos de agricultura orgânica ou biodinâmica. Na França, berço das principais uvas vitivinícolas do mundo, essa filosofia já se espalhou há décadas, principalmente nas famosas regiões da Alsácia e Borgonha. Na Nova Zelândia, país isolado, naturalmente protegido de pragas, em poucos anos a tendência deverá cobrir todo o país. Em nossos vizinhos Chile e Argentina, diversas vinícolas ícones também desintoxicaram seus vinhedos.

Por aqui, apenas quatro pequenos produtores decidiram arriscar-se nesse mercado. Juan Carrau, no Rio Grande do Sul, e a vinícola Bianchetti, no Vale do São Francisco, já oferecem rótulos certificados. Em Santa Catarina, as vinícolas Erpo e Valiati estão em fase final de certificação junto ao IBD (Associação de Certificação Instituto Biodinâmico).

A baixa adesão tem explicação. As difíceis condições climáticas para o plantio de uvas no Brasil causam receio nos produtores em não poder usar químicos para proteger suas safras de problemas sérios. Além disso, é necessário investir por quase três anos para transformar seus vinhedos em orgânicos. Para o gerente de operações do IBD, Gwendal Bellocq, outro problema enfrentado é a questão da demanda interna. “O brasileiro ainda não se interessa tanto por produtos orgânicos como os europeus e norte-americanos. Falta informação para a população e os preços ainda são elevados”, explica.

HÁ MUITA CONFUSÃO SOBRE AS DIFERENÇAS entre os orgânicos, os biodinâmicos e os naturais, e quais as vantagens em tomar um vinho elaborado segundo essas filosofias.

Os orgânicos, mais comuns, são bebidas feitas de uvas cultivadas totalmente de forma natural, sem agrotóxicos ou pesticidas químicos aplicados nos vinhedos. Eles usam proteções naturais, como o extrato de pó de timbó para o controle de pragas. É a fruta pura. Porém, neste sistema é permitido o uso dos chamados “aditivos não orgânicos”, que são compostos usados para corrigir pequenas distorções na hora de elaborar o vinho. A adição é controlada, pois a legislação permite apenas 5% no total de componentes que forem adicionados à bebida.

Já os biodinâmicos também seguem a cultura de uvas orgânicas, mas vão além – muitos chegam até a empregar certo misticismo no cultivo. Os produtores se utilizam de técnicas ancestrais, agindo de acordo com o calendário lunar. No lugar de máquinas, burros aram o solo. Como adubo, são colocados chifres de boi e estrume de cavalo. Os pássaros são sempre bem vindos, mesmo que biquem muitas uvas. Na vinificação, o uso de aditivos não orgânicos é ainda mais restrito e controlado.

Por último, os mais radicais são chamados de naturais. É preciso cuidado ao comprar um vinho com essa definição (Natural), pois não há no mundo uma certificação específica para este termo. Eles seguem os cultivos orgânicos e biodinâmicos, e banem por completo qualquer interferência no processo de vinificação. Não há muitos rótulos assim no mundo, mas realmente é o vinho como ele é, sem nenhum tipo de “hidratante ou maquiagem”. Um vinho como esse é a essência de sua origem, mas é ao mesmo tempo muito delicado. Dificilmente resiste a um longo período de guarda e a grandes deslocamentos.

Não há comprovação científica de que vinhos biodinâmicos ou orgânicos sejam mais complexos ou melhores que os elaborados pela agricultura moderna. Contudo, não há dúvida de que muitos rótulos são excepcionais – afinal alguns dos vinhos mais caros do mundo, como o Romanée Conti, que no Brasil pode chegar a custar cerca de R$ 10 mil a garrafa, surgem de vinhedos orgânicos. Para aqueles que consideram o vinho como uma arte da natureza, degustar uma taça de um orgânico ou de biodinâmico é ter a certeza de que estará bem mais próximo do artista que o criou.

Selecionamos uma lista especial com indicações desses vinhos. Conheça um pouco sobre eles e seus produtores:

Brasil

Juan Carrau Orgânico Gewurztraminer 2006

O Uruguaio Juan Carrau Bonomi vem de uma família de agricultores tradicionais que há 250 anos produz vinhos artesanais. Além de vinhateiro, Juan também é professor titular de Biotecnologia da Universidade de Caxias do Sul (RS). Sua profissão o motivou a ser o primeiro a elaborar orgânicos no Brasil. De seus pequenos vinhedos, na região de Caxias, surgem rótulos interessantes como o Gewurztraminer, feito com uma uva não tão explorada por aqui. R$ 30 (Via del Vino, 11 4223 9010).

Biachetti Tempranillo Orgânico 2007

Muitos brasileiros ainda não provaram vinhos pernambucanos do vale do São Francisco. Das sete vinícolas existentes na região, a Biachetti foi a única que decidiu transformar seus 17 hectares de vinhedos em uma plantação orgânica. “No início foi difícil, pois a videira reage como um dependente químico, que sofre para se desintoxicar”, conta a proprietária Izanete Tedesco. Este tempranillo, uva típica da Espanha, é bem frutado, pois não passa por barricas. R$ 270, caixa com 6 (Vinícula Biachetti, 87 3991 2019).

Chile

Emiliana Novas Premium Carmenére/Cabernet (orgânico/biodinâmico) 2006

A Emiliana é uma das mais respeitadas vinícolas chilenas e uma das pioneiras na adoção do biodinamismo. Seus vinhos são reconhecidos por representarem bem o terroir andino. Este rótulo é um bom exemplo de um corte entre as duas uvas mais renomadas cultivadas no Chile, a Carmenére e a Cabernet Sauvignon. É um tinto bem redondo, fácil de beber. R$ 79. À venda na Magna Import (11 2113 0999).

Itália
Loazzolo DOC – Forteto de la Luya – Piemonte (Orgânico) 2006
Do alto das montanhas piemontesas surge a fascinante vinícola Forteto de la Luya, que lidera um enorme projeto ambiental de conservação de um bosque na região. Suas práticas ecológicas lhes renderam uma importante certificação ambiental da entidade internacional WWF. O Loazzolo DOC é um vinho de colheita tardia, e um excepcional vinho de sobremesa. R$ 150. Vendido pela Saint Vin Saint (11 3846 0384) e pela Verde Mar (31 3296 7458).

França

Champagne Fleury (biodinâmico) esse champagne em si não é safrado, mas os vinhos utilizados para fazer esse champagne sao de 1999/2000

A Fleury foi a primeira produtora da valiosa região de Champagne a transformar seus vinhedos em biodinâmicos, ainda na década de 1980. Na propriedade, tudo é cuidado como em um jardim delicado, somente com intervenções manuais. As raízes extensas das videiras são capazes de buscar água em grandes profundidades, contribuindo para gerar uma bebida complexa, elegante R$ 195. Importado pela De La Croix (11 3034 6214).

Clos de la Coulée de Serrant (biodinâmico) 2004/5

É sem dúvida o vinho mais emblemático da cultura biodinâmica. Seu produtor, o famoso Nicolas Joly, é considerado como o maior promotor da filosofia no mundo. No livro Vinho do Céu à Terra, Joly explica tudo sobre o cultivo e critica abertamente as empresas fabricantes de pesticidas e agrotóxicos, afirmando que elas criam as pragas e depois vendem remédios para curá-las. Este branco da uva Chenin Blanc, feito na região do Loire, é simplesmente sublime, prova viva do trabalho sério realizado por Joly. R$ 584. Vendido na Casa do Porto (11 3061 3003).

Philippe Pacalet Bourgogne Pinot Noir 2006 (natural)

Um dos grandes ícones da Borgonha, Philippe Pacalet é um sujeito extremamente inteligente, simpático e vanguardista. Para ele o fato de os vinhos não receberem conservantes não significa que não podem envelhecer, e garante: “meus vinhos descansam sem o menor problema”. Pouquíssimos duvidam disso! Para muitos, seu Pinot Noir é uma das verdadeiras essências da Borgonha, a preços bem justos. R$ 154. À venda na World Wine (11 3383 7480).


Bouzeron Aligote 2006 (biodinâmico)

Quando o assunto é custo-benefício, não podemos esquecer desse exemplar fantástico feito pelos produtores Aubert e Pamela de Villaine, proprietários do mítico Romanée-Conti. A uva branca Aligote costuma gerar vinhos bastante cítricos. Este exemplar, de vinhedos biodinâmicos, é bem redondo, equilibrado, feito por quem conhece da arte. R$ 168. À venda na Expand (11 3847 4700).

Nova Zelândia

Pinot Noir da Rippon 2005 (biodinâmico)

Há anos a Nova Zelândia é vanguarda em questões ambientais. A Rippon, vinícola da região de Central Otago, na ilha Sul do país, foi considerada pela renomada especialista Jancis Robinson como uma das mais lindas do mundo. Seus vinhos também não ficam atrás. Há alguns anos os proprietários iniciaram a mudança dos 15 hectares de vinhedos para biodinâmicos. Escolha certa! Seu Pinot Noir é uma prova da qualidade dos vinhos do novo mundo. R$ 222. À venda na Premium Wines (31 9222 5992). Santa Luzia 3897 5033

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de julho de 2009)







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