De coadjuvante a protagonista


TOPO: Irivan Burda no cume do Aguja Media Luna com o Fitz Roy ao fundo, na Patagônia, em 2006
(Foto:Dalio Zippin Neto)

Por Gustavo Ceratti

OS DESAFIOS QUE ENVOLVEM as conquistas dos escaladores de alta montanha, o contato com a natureza que eles vivenciam, os lugares em que conseguem chegar, a disposição para se sujeitar a riscos e ultrapassar limites, e o isolamento da sociedade, mesmo que por um curto espaço de tempo, fazem deles, no mínimo, pessoas dignas de uma boa conversa.

Irivan Gustavo Burda, 39 anos, é uma dessas pessoas. Sua história como montanhista está intrinsecamente ligada à de Waldemar Niclevicz, 44, primeiro brasileiro a chegar ao cume do monte Everest, juntamente ao carioca Mozart Catão, no dia 14 de maio de 1995. Mas há mais a se revelar a respeito de Irivan, que regressou recentemente de uma expedição em comemoração aos dez anos da conquista brasileira no K2. Em outubro, ele – que é formado em engenharia mecânica e tem uma empresa em Curitiba com dois amigos e também escaladores, Alir Mute Wellner e Marcelo Bonga Santos, na qual fabrica equipamentos para a área de segurança e resgate – esteve em São Paulo onde se encontrou com a reportagem da Go Outside para a conversa que você confere abaixo.

GO OUTSIDE Quando começou sua paixão pelo montanhismo?

IRIVAN BURDA Fazendo caminhadas no Marumbi, em 1985, um conjunto de montanhas que têm oito cumes principais, sendo o mais alto deles o Olimpo, com 1.539 metros. Dois anos depois, entrei em contato com um dos integrantes do Clube Paranaense de Montanhismo. Ele já escalava em rocha e pedi que me levasse junto. Quando escalei pela primeira vez, tive certeza que era algo que eu queria mesmo fazer.

Quando você começou a escalar em alta montanha?

Antes do Waldemar partir para sua terceira tentativa de chegar ao cume do K2, em 2000, nos encontramos e ele disse para mim e para o Marcelo Bonga que se conseguisse chegar ao cume da montanha, no ano seguinte iríamos para a Trango (6.286 m), no Paquistão, juntos. Ele conseguiu e quando voltou correu atrás de patrocínio, montamos uma equipe e em 2001 estávamos lá, no cume.

E antes disso?

Até 2000 eu só escalei em rocha. Em 1996 criei, junto a alguns amigos, o Cosmo, Corpo de Socorro em Montanha, lá no Marumbi, primeiro e único até hoje no país. Em 1999 fui para a Califórnia e escalei o El Capitan (2.307 m), o Half Dome (2.693 m) e outras montanhas da região, mas ainda não havia escalado em gelo. Em 2000 resolvi ir com alguns amigos para Bariloche, onde escalamos o Tronador (3.491 m). Em 2002, escalei o Lhotse (8.516 m), meu primeiro cume acima de 8.000 metros. Participei do Rally dos Sertões com um caminhão em 2003, fui escalar na Patagônia e no Peru em 2004 e, em 2005, fui para o Everest em comemoração aos dez anos da conquista brasileira do Catão e do Niclevicz.


ROCHA: Escalando a 4ª cordada da via " A ùltima Terra de Marlboro", no Marumbi, em 2006
(Foto: Irivan Burda)

Como foi a expedição ao Everest?

Nós já havíamos tentado escalá-lo em 2002, antes do Lhotse, mas não encontramos boas condições para chegar ao cume. O Waldemar conseguiu patrocínio para tentar a rota sul, em 2005, e voltamos durante a primavera. Havia muito vento, vários dias de céu azul, mas tinha um penacho de neve de dois quilômetros na montanha. Felizmente, tudo deu certo. O melhor foi quando, depois de quase duas horas no cume, avistamos o Vitor Negrete se aproximando. Esperamos ele chegar, conversamos, filmei uma mensagem que ele mandou para a mulher, e daí ele desceu pelo norte e nós pelo sul. Uma pena não termos tirado nenhuma foto.

Qual a sua montanha predileta?

O Makalu (8.463 m). Quando se chega ao cume do Lhotse, tem-se uma vista impressionante dele, muito de frente, muito perfeito.

Você chegou a escalá-lo?

Da metade de 2006 ao começo de 2007, viajei com a minha esposa pela Europa. A gente ficou morando na Espanha, escalando, escalando e escalando, mas só em rocha. Daí o Waldemar me convidou para escalar mais uma montanha e eu disse, “vamos pro Makalu!”. Ele topou. Fomos ainda em 2007. A montanha tinha muita neve, mas neve ruim. Conseguimos alcançar os 8.000 metros, mas tivemos que abortar, pois não conseguiríamos nos deslocar na velocidade em que era preciso. Voltamos em 2008 e encontramos um cenário completamente diferente: frio, com muito vento, só que com gelo e neve excelentes. Onde no ano anterior eu e o Waldemar nos atolávamos de neve até os ombros, agora andávamos sobre gelo, cravando os pés só com a ponta do crampon. Chegamos ao cume.

Como foi a expedição em comemoração aos 10 anos da conquista brasileira no K2?

Tínhamos como objetivo escalar duas montanhas da região de Karakorum, onde também fica o K2: o Hidden Peak (8.068 m) e o Broad Peak (8.047 m), 11ª e 12ª montanhas mais altas do mundo. Infelizmente, não conseguimos chegar ao cume de nenhuma delas. No Hidden Peak, tivemos que abortar a 100 metros do cume, pois o tempo mudou bruscamente e o Waldemar havia contraído uma séria inflamação na garganta. Voltamos ao campo base e combinamos de ir ao Broad Peak, mas tivemos que abortar logo em seguida ao saber das condições climáticas desfavoráveis dos próximos dias.

Todas as expedições que você fez foram com o Niclevicz?

Todas as altas montanhas que escalei ou tentei escalar foram patrocinadas pelo Waldemar. Mas já realizei expedições para escalar em outros lugares do mundo. Fui à Patagônia diversas vezes, ao Peru, à Bolívia, Espanha e aos EUA.

Quando e como você conheceu Niclevicz?

Em 1987, escalando lá no Anhangava (1.430 m). Naquela época ele estava cursando turismo e um pouco depois começou a guiar um pessoal para fazer o Caminho Inca, que leva à Machu Picchu. Em 1989, fui fazer esse mesmo caminho com uma namorada, peguei umas dicas com ele e por acaso acabamos nos encontrando lá. Ele foi acolhedor, tinha um superacampamento e eu só tinha minha mochila e barraca. Nos deu comida e o acompanhamos até o final.


PREDILETA: Irivan Burda admirando o Macalu (8.463m), montanha pela qual se apaixonou em 2002
(Foto: Marcia de Bernardo Foltran)

Ele tem muito mais visibilidade pelos feitos que vocês conquistaram juntos, não?

Ele conseguiu unir as atividades de escalador, alpinista e apaixonado por montanha com certas oportunidades que apareceram e deram certo. Ele ter sido o primeiro brasileiro a escalar o Everest foi o que alavancou todo o resto. O pessoal que o critica não sabe que em 1991, quando tentou pela primeira vez o Everest, teve que pegar dinheiro emprestado, não chegou ao cume e voltou com uma divida de 20 mil dólares, desempregado e guiando gente no turismo.

Você se sente incomodado por ser visto por alguns como o cara que vive na sombra do Waldemar Niclevicz?

Não me sinto na sombra de ninguém. A escalada é só parte da minha vida, não sou montanhista profissional, não dependo disso para sobreviver. Conheço o Niclevicz há 23 anos. Ele é um dos meus companheiros de escaladas e expedições, e me propiciou muitas oportunidades, que não aconteceriam sem ele. Eu imaginava ir para montanhas de neve aqui nos Andes, mas nunca tinha imaginado escalar o Everest. Quanto à opinião de terceiros a respeito da minha vida, eu a considero irrelevante.

O que você acha do conceito de Sete Cumes, nomenclatura dada para a conquista do cume mais alto de cada continente?

Acho uma distorção. Criaram um marco para alguém se destacar, o que é desnecessário, pois montanha não é pra isso. Montanha não é pra você competir. O desafio é pessoal, é teu com a escalada.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de dezembro de 2010)







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