Treta no Elbrus


ALTAS CONFUSÕES: Relativamente fácil de escalar, mas cheio de perigos políticos

Por Caio Vilela
Fotos por Dean Conger/ Corbis

NÃO É NOVIDADE PARA OS MONTANHISTAS: escalar o ponto mais alto do continente europeu significa embarcar em uma empreitada tensa. Não do aspecto físico ou técnico, pois com apenas 5.642 metros e um glaciar livre de gretas no final da subida, o Elbrus não apresenta grandes dificuldades na escalada. Seu perigo reside na instabilidade política da região e na sistemática prática de crimes contra turistas. O Elbrus fica no Cáucaso russo, próximo à fronteira com a Geórgia, região há tempos conhecida por seus conflitos. Seja em fóruns online de viajantes ou em relatos de escaladores brasileiros que já estiveram por lá, os comentários sobre expedições nessa parte do planeta são sempre recheados de expressões de indignação sobre o comportamento agressivo dos policiais e o alto grau de corrupção por toda parte.

A batata começou a ferver em fevereiro passado, quando uma bomba explodiu um teleférico, duas pessoas ficaram feridas em um ataque a uma van de turistas e três esquiadores foram assassinados à queima-roupa nas proximidades do Elbrus. Neste último episódio, segundo o jornal britânico The Guardian, um veículo foi abordado em uma estrada local por três homens vestidos de preto, que pediram documentos e em seguida abriram fogo, matando dois homens e uma mulher, todos de nacionalidade russa. No mesmo mês, a polícia do vale de Baksan desmontou três bombas encontradas em um carro estacionado em frente a um hotel na estação de esqui de Cheget, a montanha a oeste do Elbrus. Os atentados foram atribuídos a militantes de facções islâmicas atuantes na região. A explosão no teleférico derrubou 45 gôndolas, gerou pânico e deixou muita gente presa na parte alta da montanha. Nas duas semanas após as ocorrências, o exército russo esteve fortemente presente na região, com patrulhas aéreas e batalhões que marcharam sobre os contrafortes das montanhas em busca das milícias.

Os acontecimentos viraram manchete internacional em diversas publicações após Nikolai Sintzos, porta-voz do comitê antiterrorismo russo, afirmar que seus homens encontraram e executaram três dos sete fundamentalistas islâmicos procurados pela polícia. A soma de incidentes provocou o fechamento de trilhas e estações de esqui por tempo indeterminado. Alexander Khloponin, enviado do governo russo à região de Kabardino Balkaria, onde fica o Elbrus, ainda proibiu o turismo estrangeiro na província por causa da instabilidade política. Mas, com a aproximação da temporada e tantos escaladores planejando visitar a montanha, a já debilitada economia local dificilmente respeitaria a ordem das autoridades para não perder um verão de comércio. Apesar dos riscos, todos esperam que a montanha seja logo reaberta para a temporada que começa em junho.

As empresas russas Geographic Bureau Expeditions (elbrus.su) e Pilgrim Tours (pilgrim-tours.com), tradicionais organizadoras de ascensões guiadas ao Elbrus, garantem que está tudo bem por lá. As três expedições da norte-americana Mountain Madness agendadas para a temporada de 2011 continuam confirmadas para junho (dia 19) e julho (dias 3 e 17), e o Elbrus segue anunciado com destaque na programação online. O homem por trás da operação, Mark Gunlogson, afirmou recentemente que a Mountain Madness jamais cancelou uma temporada de escalada no Elbrus por causa de conflitos políticos na região – mas também admitiu que ocorrências de tal porte envolvendo turistas nunca haviam sido registradas antes.

O ELBRUS NÃO É UMA MONTANHA QUALQUER. No mundo do alpinismo, faz parte da emblemática (ainda que questionada) lista dos chamados Sete Cumes, os picos mais altos de cada continente. Por causa de seu baixo grau de dificuldade técnica, atrai uma boa leva de escaladores amadores, além de esquiadores de toda a Europa, principalmente russos. E a presença destes, ainda que interessados apenas no esporte, alimenta silenciosamente a tensão política na região.

“A raiz do problema no Cáucaso é a presença ostensiva dos russos na Ossétia, o que gerou a guerra da Rússia contra a Geórgia”, explica o professor André Martin, livre docente do departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP). “Toda região montanhosa tende à fragmentação política e ao isolamento das comunidades. Como nos Bálcãs, os povos do Cáucaso cultuam um sentimento de identidade arraigado, que divide opiniões sobre a soberania do território”, acrescenta ele. Abkhazios (da região separatista georgiana da Abkházia), ossetianos, chechenos e georgianos dividem a geografia da cordilheira, todos sob a tutela da “Grande Rússia” e sem território próprio definido para cada grupo étnico.

TOPO DA EUROPA: Uma belíssima vista do Cáucaso te aguarda se você conseguir superar as dificuldades extremas

Na história recente, em agosto de 2008, uma guerra foi declarada pelo presidente da Geórgia, Mikheil Saakashvili, depois que 1.600 pessoas morreram em dois dias no norte do país. Os russos apóiam a independência da Ossétia do Sul (região da Geórgia que faz divisa com a Ossétia do Norte, situada dentro da Rússia) para enfraquecer os georgianos, que sempre tiveram política pró-americana. Durante a Revolução Russa foi criada a república da Transcaucásia, que englobava Geórgia, Azerbaijão e Armênia. Depois, esse território foi dividido em três nações distintas, mas pertencentes à União Soviética, fruto da famosa política de Stalin “dividir para reinar”.

Durante o governo de Boris Yeltsin (1991-1999), a Rússia permitiu que tais nações se tornassem independentes, mas não arredou o pé da região. Além da guerra na Geórgia, o maior conflito latente envolve o povo checheno, fundamentalistas islâmicos cujas milícias foram fortalecidas com grana pela Arábia Saudita, armadas até os dentes por Osama Bin Laden e, acredite, treinadas pela CIA, nos EUA, durante a Guerra Fria. Chechenos reivindicam uma república independente e fundamentalista dentro da Rússia e preenchem um vazio ideológico surgido no Cáucaso após o desaparecimento da URSS.

É nesse caldeirão de conflitos que os montanhistas têm que se meter se quiserem chegar à base do Elbrus. Muitos escaladores brasileiros já estiveram por lá e todos voltaram com alguma história cabeluda. “Roubo nos acampamentos é a principal preocupação de quem vai para a região com o objetivo de conhecer suas montanhas”, diz Maurício “Tonto” Clauzet, que fez o cume do Elbrus em 1997. No começo da viagem, ainda em Moscou, ele coletou uma primeira impressão negativa dos russos após sofrer uma abordagem truculenta por parte de alguns soldados. “Já chegaram cutucando minhas costelas com o fuzil, em uma rua ao lado do nosso hotel”, conta o escalador paranaense. Depois de liberado, Maurício foi abordado mais cinco vezes pelo exército durante sua viagem de 30 dias. Em quase todas, teve algum dinheiro extorquido. “No Cáucaso, qualquer um que tem um pouquinho de poder se sente no direito de pedir grana para os estrangeiros. Do cara que pesa a bagagem no aeroporto aos sempre agressivos guardas de estrada.”

MISTÉRIO: Não se sabe ao certo o que causou a explosão de um teleférico da região

A escalada ao Elbrus se faz em cerca de três dias, a partir da vila de Terskol, um lugar relativamente tranqüilo e agradável. Primeiro, uma subida de teleférico leva até Kharabashi, ponto de partida da trilha, onde a rocha negra encontra a neve. Depois é preciso caminhar um dia inteiro para chegar aos abrigos com cozinha coletiva, onde a maioria dos roubos acontece durante a noite. Após passar ileso por esse bivaque, o próximo dia é dedicado para o ataque ao cume e começo da descida. Apesar de estar coberto de neve o ano todo e de o chão de gelo requerer crampões nas botas e conhecimento básico de manejo da piqueta, o caminho da via normal é tranqüilo.

O último trecho se faz sobre um glaciar de forma piramidal, com superfície bastante regular, sem gretas ou desfiladeiros. Ao chegar ao final da subida, um colo separa os dois cumes da montanha, deixando claro que o topo principal é o da esquerda. Após um momento de descanso, começa a parte mais lenta da escalada: o ataque final ao cume. O sprint aqui é puxado, em uma subida com aproximados 45 graus. Mas para quem chegou até esse ponto sem ser roubado, extorquido, seqüestrado ou ameaçado de morte, pisar no topo do continente europeu será moleza. E a beleza vista de lá de cima faz com que qualquer escalador pense que, sim, tantos riscos valeram muito a pena.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de maio de 2011)







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