Relargada

Um dos responsáveis pela extraordinária ascensão mundial do ciclismo do Reino Unido, o inglês Brian Cookson acaba de se eleger presidente da União Ciclística Internacional com uma grande missão: limpar o esporte da vergonha do doping

Por Mario Mele


PEDALA, BRIAN: O presidente da British Cycling e candidato ao posto máximo da UCI
posa com uma bike de aluguel Velib, em Paris, para mostrar seu interesse em incentivar
o uso da bicicleta nas cidades

FEDERAÇÕES ESPORTIVAS MUNDIAIS como a União Ciclística Internacional (UCI) existem para reger o esporte por meio de sistemas democráticos. Isso significa que, se algo não vai bem, o “povo” envolvido com a modalidade tem meios justos para se manifestar e exigir mudanças. Por isso o britânico Brian Cookson, de 62 anos, não vê momento mais oportuno do que aqui e agora para ajudar o ciclismo a recuperar sua credibilidade após terríveis escândalos de doping. No dia 27 de setembro, em Florença, na Itália, acontece a eleição para presidente da UCI, e ele é o único desafiante ao irlandês Pat McQuaid, que tenta emplacar o terceiro mandato.

Brian acaba de se aposentar de uma bem-sucedida carreira de 40 anos como arquiteto. Paralelamente, durante esse tempo ele tem se dedicado ao ciclismo com a mesma seriedade. Como competidor, correu provas regionais de estrada, pista e ciclocross, e até hoje entra em disputas na categoria máster. Na vida administrativa, sua atuação tem sido ainda mais expressiva. Em 1996, Brian assumiu a presidência da British Cycling, a federação britânica de ciclismo e, de lá pra cá, foi reeleito ano a ano sem concorrentes, transformando uma instituição capenga e desacreditada em um colosso responsável pela conquista de 19 medalhas de ouro olímpicas, 28 paraolímpicas e dois inéditos títulos no Tour de France (veja o quadro que acompanha esta reportagem). O sucesso da Grã-Bretanha no ciclismo gerou até uma piadinha entre seus habitantes: vitórias no Tour são como os ônibus de Londres – você passa um tempão esperando um, e quando ele finalmente chega, aparece outro, e depois outro e outro…

Mas Brian não está interessado em revolucionar o esporte somente em seus país de origem. Em sua plataforma política, ele quer que a retomada do ciclismo aconteça em escala mundial. No mês de junho, através de um manifesto publicado em seu site oficial (briancookson.org), Brian compartilhou algumas propostas que pretende colocar em vigor caso se eleja presidente da UCI, que vão da criação de uma agência antidoping totalmente independente e especializada em ciclismo até o investimento efetivo no ciclismo feminino. Agora é esperar que os eleitores – representantes de federações ciclísticas dos cinco continentes – acreditem nele. “Às vezes, tudo o que precisamos fazer é recomeçar do zero”, diz o candidato da oposição, inconformado com o fato de a atual gestão ainda não ter uma política eficiente para barrar as drogas de performance de uma vez por todas. Pouco antes da eleição, ele conversou com a Go Outside.

GO OUTSIDE: Em 2013, o Tour de France foi eletrizante e atraiu atenção como há tempos não acontecia. Você acha que isso é apenas uma vitória superficial do esporte, ou representa uma mudança na forma como o vemos após tantos escândalos de doping?
BRIAN COOKSON: Acho que o ciclismo está rumando para o progresso. Mas acredito fortemente que precisamos de uma mudança de liderança para maximizar plenamente os interesses desse esporte. O ciclismo é, sem dúvida, uma das principais modalidades do mundo – basta você ver a emoção em torno das Grandes Voltas [Tour de France, Giro d’Italia e Vuelta a España]. O problema é que a UCI está sendo prejudicada pela falta de confiança que seus integrantes têm no próprio presidente. Para o público em geral, nosso esporte ainda está muito associado ao doping e a decisões tomadas a portas fechadas, porque membros importantes da “família do ciclismo” estão em conflito.


PRÊMIO: O britânico participa da entrega de medalhas em mundial junior de ciclismo de
pista
(Foto: Simon Wilkinson)

Por que você defende a criação de um órgão ciclístico independente para o controle de doping?
É um absurdo que um esporte que sofre com escândalos de doping dessa magnitude esteja assistindo a conflitos abertos entre as pessoas que deveriam trabalhar em parceria para solucionar esse grave problema. Há agências antidoping independentes que funcionam bem nos países que atuam, como a UKAD (no Reino Unido), a AFLD (na França) e a USADA (nos Estados Unidos). Não há nenhuma razão para que tal modelo não seja posto em prática no âmbito internacional. Assim, a UCI poderia cumprir suas obrigações com o código da WADA (a Agência Mundial Antidoping) através de uma organização que funcionaria de forma independente, com poderes autônomos para tomadas de decisões. Para ser independente, ela teria que estar separada da UCI, física e politicamente. O órgão seria liderado por um alto escalão de executivos de confiança, que se reportaria a um conselho formado por profissionais conceituados e grandes representantes de diferentes áreas de especialização.

A UCI está sendo denunciada pela USADA, que acredita que algumas contribuições foram feitas por baixo do pano, por atletas e equipes, para encobrir testes positivos de doping. Isso não seria um sério problema a resolver se você for eleito?
Houve acontecimentos péssimos para o ciclismo nas décadas de 1990 e 2000, e acredito que precisamos de um longo processo de debates para entender como isso aconteceu e chegou a tal ponto. Se eu for eleito, implementarei uma investigação totalmente independente sobre o doping no ciclismo, para que possamos lidar de uma vez por todas com o passado e até conceder anistias e reduções de sanções para incentivar os envolvidos a seguirem em frente. Isso exigiria um acordo com a WADA e uma forte investigação para possíveis descobertas de fraudes e tramas dentro da UCI.

Como um órgão como a UCI pode contribuir para que mais bikes sejam usadas por habitantes de grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo?
É muito difícil para a UCI agir diretamente na infraestrutura de cada país, mas mesmo assim eu acredito que um órgão mundial deve apoiar e aconselhar as nações a facilitar o uso da bicicleta em suas cidades. Nesta semana mesmo, o governo britânico anunciou que disponibilizará uma verba de £ 100 milhões para algumas de nossas principais cidades investirem em redes de transporte que favoreçam as bicicletas. Isso aconteceu graças a uma campanha promovida pela British Cycling. Estou ansioso para ver esse tipo de experiência compartilhada, tanto entre nações quanto entre confederações de diferentes continentes.

Quais foram suas atitudes como presidente da British Cycling para melhorar o ciclismo em seu país e conquistar medalhas olímpicas e títulos no Tour de France?
Não há um grande segredo por trás de nosso sucesso. A boa performance do Reino Unido em Pequim e Londres nos forneceu meios para inspirarmos toda a nação, e isso contribuiu para aumentarmos a participação das pessoas em todos os níveis do ciclismo. O triunfo do ciclismo britânico é baseado em honestidade e transparência nas tomadas de decisão, com o esporte sempre no centro das discussões. Deveria ser assim em nível mundial.

Além do doping, quais outros problemas o ciclismo deve superar?
Claro que o doping é uma prioridade, pois ele pode continuar minando a reputação de nosso esporte até que os erros do passado sejam investigados e solucionados. Mas o ciclismo feminino também necessita de gás novo. As mulheres lutaram para progredir nos últimos anos, e agora elas precisam de mais apoio da UCI. Tão importante quanto é a expansão global do esporte. Com o apoio da UCI, países em desenvolvimento poderiam receber ajuda através de Centros Mundiais de Ciclismo e de um Departamento Internacional de Desenvolvimento.

Você tem planos para que modalidades como o BMX e o MTB cresçam e se tornem mais conhecidas?
Eu acho indispensável que todas as modalidades ganhem espaço, e não apenas o ciclismo de estrada. Expandir as nossas opções de eventos competitivos de MTB e BMX é uma boa saída. Há um grande apetite por essas duas versões do ciclismo em todo o mundo. Mas acho que, antes disso, precisamos urgentemente olhar para o que pode ser feito em relação ao ciclismo feminino. É necessário incentivo para agregarmos patrocínios sólidos e enfim alavancar as atletas.

Você tem algum herói no ciclismo?
Meu primeiro herói no ciclismo foi o britânico Tommy Simpson, campeão mundial em 1965. Ele foi uma inspiração para eu começar a pedalar. Desde então, tive muitos heróis no esporte, mas que foram ofuscados pela desconfiança que existe no ciclismo hoje. Até que possamos esclarecer exatamente o que aconteceu nas décadas de 1990 e 2000, será difícil os fãs acreditarem nas estrelas do futuro.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de setembro de 2013)







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