Dupla ação

Surfar, pedalar e mergulhar em lugares exuberantes como Indonésia, Peru, Rio ou Suazilândia agora pode te proporcionar uma emoção a mais: a de colaborar com comunidades locais ou cuidar da natureza

Por Denise Mota

JÁ OUVIU FALAR EM “VOLUNTURISMO”? Se a resposta for não, perdoe-nos, mas você está meio por fora. Corruptela das palavras “turismo” e “voluntarismo”, o termo é simples e segue uma tendência mundial: não basta viajar, divertir-se e conhecer lugares diferentes, é preciso também deixar por onde passa uma colaboração social ou ecológica concreta. Pensando nisso, diversas agências e organizações no Brasil e lá fora têm elaborado roteiros cheios de adrenalina, mas com pitadas do bem, em que você mergulha, pedala, surfa e, de quebra, participa de algum projeto em vilarejos ou cidades próximas. Fácil, bacana e prático – e, como se diz por aí, ótimo para os dois lados.

>> Mergulho e preservação na Indonésia


BOM DEMAIS: Limpando o oceano na Indonésia

“Foi uma sorte tremenda estar em Banda Neira justo naquele dia.” A brasileira Kate Bevilacqua não esconde a emoção ao falar de suas aventuras no fundo do oceano que cerca as remotas ilhas de Banda, na Indonésia. Por coincidência do destino, lá estava ela logo no início de mais um Clean Up Day (dia da limpeza), projeto que une mergulho e conscientização ambiental na belíssima região de Maluku, no leste do país.

Nesses dias de “faxina”, turistas voluntários se reúnem a nativos em mergulhos (gratuitos!) em que o principal objetivo é limpar as águas de latas, garrafas de plástico e qualquer outra porcaria jogada ali. Como prêmio, tem-se a chance de mergulhar em uma dos pedaços mais lindos do planeta, como bem sabia o explorador francês Jacques Cousteau, habitué das ilhas.

O Clean Up Day não é exatamente um programa estruturado de turismo solidário, e sim um convite aberto a todos os mergulhadores presentes na região dispostos a recolher um pouco do lixo submarino de Banda e, com isso, ajudar na preservação e sustentabilidade dessas ilhas. O projeto é capitaneado pelo centro Dive Bluemotion e pela Marine Conservation Southeast Asia (MC-SEA), organização sem fins lucrativos formada por alemães e suíços cujos sócios pagam 30 euros por ano para ajudar na conservação do local. “Em Banda, pedimos aos turistas que mergulham com a Bluemotion uma contribuição entre US$ 5 e US$ 10. Não é muito, mas ajuda a cobrir as despesas da coleta de lixo e também a pagar o combustível necessário para as atividades de patrulhamento de pesca ilegal na região. Todo mundo que quiser ajudar é bem-vindo”, diz Mareike Huhn, coordenadora do projeto. O centro realiza limpezas marítimas a cada 15 dias, e os voluntários – que devem ter experiência prévia de mergulho – contam com equipamento grátis para ajudar na tarefa. “Mesmo em meio ao lixo submarino, foi possível encontrar criaturas exóticas como uma cobra marinha, que vi pela primeira vez, e bizarras moluscos multicoloridos”, relembra, entusiasmada, Kate. Para saber mais, visite mc-sea.org/english/projects/banda/

>> Rio: surf e trabalho na favela


CALOR CARIOCA: Surf e trabalho voluntário atraem estrangeiros para o projeto da ONG Iko Poran
(FOTO: Iko Poran)

Em busca de algo menos longínquo? Uma boa pedida é surfar nas míticas areias cariocas e botar a mão na massa em favelas como o Morro dos Prazeres ou a Final Feliz, duas dentre as muitas comunidades que trabalham com a Iko Poran (ikoporan.org) para receber turistas que desejam fazer trabalho voluntário enquanto conhecem a capital. A ONG tem por objetivo implementar projetos de desenvolvimento em regiões carentes, ao mesmo tempo em que promove o voluntariado internacional.

O programa dura oito dias e foi originalmente concebido como um roteiro de férias alternativo para os estudantes da Universidade da Virgínia (EUA). A semana começa com a recepção dos voluntários no aeroporto e um passeio pelo bairro de Santa Teresa. Depois os visitantes chegam às comunidades onde vão colaborar com tarefas como a limpeza de terrenos para funcionamento de parquinhos ou o reparo de ruas. Ao final, eles têm a oportunidade de conhecer lugares-chave da capital, entre eles o Maracanã, Corcovado e o Pão de Açúcar. As aulas de surf na praia de Ipanema estão entre os pontos altos do roteiro, que ainda inclui um dia livre para que cada um explore a cidade a sua maneira, aulas de português para estrangeiros, hospedagem e assistência 24h. Um programa de quatro semanas custa R$ 2.300, e cada semana adicional sai por R$ 210. Voos, visto, seguros, transporte local e refeições não estão incluídos. Convide aquele seu amigo gringo e curta a cidade maravilhosa como se deve.

>> Bate-bola na Suazilândia


SORRISO: Curtindo o povo da Suazilândia

O pequeno país no sul da África possui paisagens e reservas naturais de tirar o fôlego, mas é mais conhecido pelo alto índice de desemprego e por outra estatística ainda mais desanimadora: apresenta uma das mais altas taxas de incidência de HIV do mundo. O que o turismo tem a ver com isso? A possibilidade de dar às crianças locais horas de entretenimento que as afaste da desesperança e do crime – e, em contrapartida, o turista ganha a oportunidade de conhecer a exuberante natureza do lugar. A i-to-i (i-to-i.com) tem um programa em que o viajante pode dar aulas de ciclismo, futebol, vôlei ou outro esporte em que tiver habilidade e passar entre duas e quatro semanas como hóspede moradores do vale de Ezulwini Valley, no noroeste do país. Aí também está o Santuário da Vida Selvagem Mlilwane, refúgio de rinocerontes, girafas, hipopótamos e antílopes. Ficar 15 dias na cidade custa 879,12 libras (cerca de R$ 2.500) pela agência, que trabalha em parceria com organizações sociais africanas e aceita visitantes entre 18 e 65 anos. O pacote oferece traslado, hospedagem e alimentação – mas os turistas têm que ajudar a cozinhar. Passagens aéreas, seguro, visto e atividades de fim de semana não estão incluídos.

>> Ondas de desenvolvimento no Peru


DO PERU: Na Waves for Development, os viajantes fazer surf e trabalham nas comunidades de Lobitos
(FOTO: Caio Antunes)

Surf e educação para todos é o que move a Waves for Development (wavesfordevelopment.org), organização criada em 2004 depois da viagem de um grupo de surfistas que perceberam um paradoxo na região: na vila peruana de Lobitos, o alto custo do equipamento de surf impossibilitava que os nativos pudessem desfrutar das ondas fenomenais que batiam a poucos metros de suas portas. “Ao saber mais sobre a vida deles, nos demos conta de que a falta de acesso ao surf era insignificante se comparada à opressão causada pelas oportunidades econômicas limitadas, a pouca educação, a baixa auto-estima. Mas, pensamos, talvez o surf pudesse ser usado como ferramenta para superar esses problemas”, diz Dave Aabo, diretor-executivo da ONG.

Esse propósito é o que leva surfistas a escolher Lobitos hoje não só como lugar de pico do esporte, mas de trabalhos em terra firme. É o caso de Caio Antunes, fotógrafo brasileiro que há um ano ajudou a construir a primeira pista de skate do lugar. “Foi muito gratificante ver a alegria da molecada”, conta. As atividades começam sempre na primeira e terceira semanas de cada mês, e os turistas se hospedam em casas de famílias, por um período mínimo de duas semanas.

O preço da aventura se compõe de uma contribuição voluntária (de pelo menos US$ 495) voltada ao custeio do projeto em que se trabalhará e de uma taxa (de US$ 295 por semana) que cobre as despesas do programa em si e que inclui transporte a Lobitos a partir da cidade de Talara, hospedagem, três refeições diárias, kit de primeiros socorros, materiais de trabalho, pranchas, excursões guiadas, além de aulas de surf e reparo de pranchas. “A energia lá é muito boa”, diz Caio. “Graças ao trabalho da ONG, os jovens estão tendo mais oportunidades, em todos os sentidos.”

>> Camboja em duas rodas


NA RODA: É possível pedalar pelos belos templos de Angkor, no Cambojá, e ainda contribuir com projetos sociais locais
(FOTO: Pepy Tours)


“Vida aventureira, contribuição responsável” é o slogan da Pepy Ride (pepyride.org), organização não-governamental criada no Camboja e que hoje atende 1.700 famílias em 12 vilas e nove escolas na Siem Reap rural. Por “aventureira”, leia rolês insanos de bike por algumas das mais exóticas regiões desse país de cultura riquíssima localizado no sudeste asiático. Já o quesito “contribuição” fica por conta de projetos sociais promovidos ao longo dos passeios de bicicleta. A viagem dura 14 ou 19 dias, reúne grupos de entre 5 e 18 ciclistas e exige bom condicionamento físico, já que inclui percursos de 100 quilômetros ao dia.
O roteiro começa em Siem Reap, onde o viajante é recebido pela equipe da ONG e conhece seus companheiros de pedalada, para passar por marcos emblemáticos como os templos de Angkor – um dos mais belos patrimônios da humanidade.

Ainda são parte do passeio estadias em casas de locais, visitas a fazendas de seda e plantações de pimenta, traslados de barco, mergulhos gastronômicos na culinária nativa (deliciosa, por sinal) e dois dias de exploração na capital, Phnom Penh. Os roteiros custam US$ 1.425 (14 dias) ou US$ 1.650 (19 dias). O turista também deve contribuir com uma cota de fomento aos projetos vinculados à ONG, de US$ 1.500 por três semanas de passeio, ou US$ 1.000 por duas semanas. O programa inclui transporte no Camboja, hospedagem, alimentação, guias e entradas para todos os lugares turísticos previstos no roteiro. Voos, aluguel de bicicletas e visto fica por conta do viajante.

>> Tirolesa educacional na chapada dos Veadeiros


BELEZA DUPLA: Além de conhecer as belezas da chapada dos Veadeiros, é possível participar de multirões com habitantes da região

(FOTO: Travessia turismo)

Para vários turistas, a reforma ou construção de escolas e postos de saúde no Cerrado brasileiro é hoje tão atraente quanto as deslumbrantes belezas naturais da chapada dos Veadeiros, reservatório de uma imensa placa de cristal de quartzo e de cachoeiras, cânions, trilhas e nascentes. A junção dessas duas experiências – a de ajudar a melhorar a estrutura dos municípios da região e a oportunidade de visitar um dos pólos do ecoturismo brasileiro – vem motivando especialmente viajantes britânicos que, por meio de um roteiro desenvolvido pela agência Travessia (travessia.tur.br), chegam ao país para literalmente colocar as mãos à obra.

“Sugerimos a escola a ser reformada e elaboramos o projeto técnico e financeiro. Uma vez aprovado, são iniciadas negociações com as prefeituras para conseguir apoio logístico”, explica Ion David, sócio e diretor da agência. As obras são iniciadas antes da chegada dos grupos, que entram em cena na parte final do projeto, trabalhando em mutirões. A agência também cuida da chegada dos turistas, monta acampamentos com banheiros, cozinha, galpões para refeições, espaços de integração, fogueiras e até um bar. Mas nem tudo é trabalho. Os volunturistas também têm pausas de ar puro para a prática de tirolesa e para visitar as muitas cachoeiras da chapada. O pacote de dez dias sai R$ 2.500 e inclui alimentação, hospedagem e traslado a partir de Brasília.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de maio de 2012)







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