Voo à pré-história

O piloto brasileiro de paramotor Marcio Aita integrou a expedição Globe Explorer Team Mongolian, que durante dez dias rastreou o maior sítio arqueológico a céu aberto do mundo

Por MARIO MELE

“Não existe escritório mais bonito do que o meu”, diz o paleontólogo italiano Marco Ghiglieri, abrindo os braços para o deserto de Gobi. Um minuto depois ele seria surpreendido por um senhor de quase 80 anos que, eufórico, implorava para que o acompanhasse pessoalmente até sua recém-descoberta: um dinossauro fossilizado a somente a alguns quilômetros dali.

Nos últimos dez dias de agosto, Marco liderou a Globe Explorer Team Mongolian, que com ajuda de paramotores – “parapente com motor” – varreu 2,5 mil quilômetros das areias de Gobi, incluindo a região dos Flaming Cliffs. Foi exatamente ali que, no começo do século 20, o explorador norte-americano Roy Chapman Andrews encontrou pela primeira vez na história um ovo fossilizado de dinossauro.

Como paleontólogo experiente que é, Marco Ghiglieri sabe que a Mongólia é um dos maiores sítios arqueológicos a céu aberto do mundo – é por esse motivo que, entre maio e outubro, ele mora naquele país a trabalho. Mesmo assim, não é todo dia que se tem notícia de um novo rastro de dinossauro e, portanto, seria impossível ignorar o chamado de um morador local. Então Marco e os pilotos dos paramotores, que naquele momento estavam em solo, se dividiram nas duas picapes da equipe de apoio e saíram em perseguição ao animado senhor, enquanto ele acelerava sua moto no deserto rumo aos restos do réptil pré-histórico.

MARCO CONCEBEU A GLOBE EXPLORER TEAM MONGOLIAN pensando em facilitar suas futuras pesquisas arqueológicas. Conhecer os recortes daquela área de Gobi em detalhes foi a maneira que encontrou para pontuar seus novos trabalhos de campo. Em 2010, ele havia guiado quatro pilotos italianos de paramotor pela Mongólia, indicando a eles lugares possivelmente bons de voar. Este ano, quando finalmente decidiu dar vida à expedição, sabia das facilidades que um paramotor poderia oferecer para a captação das imagens aéreas que tanto precisava. Então ligou para os amigos italianos que fizera no ano anterior e explicou sobre sua intenção de soltar paramotores equipados com câmeras dotadas de GPS pelo céu da Mongólia para mapear o quanto fosse possível do deserto.


PARAMOTOR E FILMAGEM: Marcio quer lançar um documentário em breve

“Já voei em diversos países, mas a Mongólia é diferente. Você está constantemente sobre o deserto”, diz Marcio Aita, o brasileiro envolvido na Globe Explorer Team Mongolian. Marcio tem no currículo um campeonato brasileiro e um sul-americano de paramotor e, além das competições, já participou de expedições de vários dias. Na maior delas, ele sobrevoou 4 mil quilômetros da costa brasileira, entre os estados do Rio Grande do Sul e Rio Grande do Norte. “Foram 50 dias enfrentando todo tipo de condição climática, pegando várias tempestades pelo caminho”, lembra. Marcio também desenvolveu uma técnica especial para o lançamento de carga a bordo de seu paramotor. Este foi um trabalho específico feito para a Marinha Brasileira e que possibilitou o treinamento isolado de guerra de fuzileiros navais. Não há dúvidas de que ele é um dos pilotos mais experientes do Brasil, e foi isso que os italianos, que já o conheciam dos campeonatos pela Europa, se lembraram ao receber o convite do paleontólogo conterrâneo.

“Voar na Mongólia é uma experiência espiritual”, segue Marcio. “Enquanto em outros países as paisagens mudam rapidamente, na Mongólia você está constantemente sobre o deserto. Se na Itália você vê uma igreja bonita, vira para o lado e vê um castelo ou uma cidade medieval, na Mongólia você admira apenas a imensidão de Deus.” Segundo Márcio, essa também foi a sensação que os outros pilotos tiveram.

Além da imensidão arenosa ao sul, a Mongólia também é exuberante pela troca de cenários. É uma mudança lenta, mas com muitos contrastes. Há grandes estepes, com gramadões planos e, às vezes, é possível avistar algumas colinas que parecem pedir uma sessão de voo de paramotor. Mas voar na Mongólia não é tão doce quanto parece. A exuberância da paisagem é apimentada por mudanças bruscas de ventos e constantes turbulências térmicas. “Num dos dias, decolamos com ventos de 32 km/h e logo percebemos que a situação ficaria ainda pior por conta do relevo que tínhamos pela frente”, lembra Marcio. “Decidimos pousar e, quase instantaneamente, registramos ventos de 70 km/h. Se estivéssemos no ar naquela hora certamente teríamos tido problemas.”

NO SÉCULO 13, OS POVOS NÔMADES DA MONGÓLIA formaram um dos maiores impérios da humanidade. Eles se moviam a cavalo e guerreavam com arcos capazes de disparar flechas a mais de 500 metros de distância. Durante dez dias, os pilotos da Globe Explorer Team Mongolian também experimentaram um pouco da vida nômade: eles voavam cerca de 300 km por dia e passavam a noite em tendas arredondadas, construídas de lã branca. São as chamadas gers, que até hoje são acomodações usadas pela população da Mongólia que se move com todos os seus pertences. “Se você pede abrigo para uma pessoa no deserto, ela é capaz de tirar a família inteira da ger para que você se hospede”, garante Marcio. Mas já há acampamentos desse tipo no meio do deserto que são totalmente adaptados ao turismo, e eles só precisaram incomodar a população local uma vez. “Chovia muito, e nem nosso motorista, que era nativo, conseguia se localizar direito. Demorou até avistarmos uma ger.”

Toda noite, após duas longas sessões de voo, a equipe se reunia logo depois do jantar para assistir a trechos do material captado durante o dia por cada piloto. Marco, o paleontólogo, também aproveitava para analisar as imagens e passar algumas instruções. Para conseguirem uma boa filmagem, os paramotores voavam a uma altura aproximada de 100 metros do chão. Nos Flaming Cliffs, para fazerem a tomada panorâmica, atingiram os 1000 metros. “Dependia das imagens que o Marco queria para determinada região”, diz Marcio. E, como a Mongólia é um país de altitude elevada, o ar rarefeito era outra constante. Esse era mais um desafio, principalmente na hora de decolar. Por isso foram usados motores de 185 cc, um pouco mais potente do que os convencionais.


PRÉ-HISTÓRIA: Equipe analisa o fóssil de dinossauro

No papel de líder, o paleontólogo exigia seriedade e determinação do grupo. Num dos primeiros dias de viagem, ele o piloto italiano Raffaele Benetti se desentenderam feio por causa das manobras acrobáticas que Raffaele insistia em tirar com seu paramotor. Ele estava visivelmente empolgado em poder sobrevoar aquele lugar e, por um instante, parecia ter esquecido o real propósito daquela missão. Mas o clima estranho foi rapidamente superado, e os pilotos também tiveram tempo livre para levantar voos pela pura diversão.

No final, cada piloto conseguiu cerca de 10 horas de filme bruto. Só o brasileiro Marcio Aita tem mais de 15 horas de boas imagens da Mongólia. Como o objetivo da Globe Explorer Team Mongolian era apenas científico, agora ele está atrás de um bom editor de vídeo para ajudá-lo a produzir um documentário sobre a expedição. “A cultura da Mongólia é riquíssima e, além das tomadas aéreas das paisagens, tenho registros excelentes desse povo”, diz. Marcio acredita que um dos momentos altos do filme será o senhor, de quase 80 anos, agachado no deserto e cavando até o crânio de um dinossauro aparecer por completo. “Até o Marco se emocionou ao ver aquilo. Ele então nos explicou que era um Protoceratops Andrewsi, apontou a crista na cabeça, que é uma marca registrada dessa espécie, e falou: ‘É bem provável que o corpo inteiro desse animal esteja sob nossos pés’.”

Todos que participaram da expedição sabiam da possibilidade de sobrevoar o maior safári jurássico do mundo. Mas, até então, ninguém imaginava que seria possível uma regressão tão nítida em mais de 50 milhões de anos.







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